sábado, maio 02, 2009

A velocidade das novas ordens de ações

Latência e milissegundos são palavras ausentes do universo de preocupações do investidor comum, mas são fundamentais para o sucesso das operações dos pesos-pesados do mercado: os investidores institucionais, aqueles capazes de comprar ou vender dezenas ou mesmo centenas de milhões de reais em ativos financeiros em um único pregão, seja no mercado à vista ou de futuros. Neste seleto e poderoso grupo, estão grandes administradores de recursos, como tesourarias de bancos e fundos de pensão.

“A latência nada mais é do que o tempo que leva a ordem para chegar pela rede até a Bolsa e retornar da Bolsa à corretora. Em milissegundos (milésimos de segundos), centenas de ordens podem ser executadas. Há clientes que compram para vender no minuto seguinte”, explica Daniel Mendonça de Barros, sócio-diretor da Link Corretora. Atentos a isso, grandes corretoras e bancos de investimento brasileiros têm investido nos últimos anos na montagem de plataformas eletrônicas de negociação, que prometem garantir aos usuários precisão de pistoleiro do velho oeste para acertar os preços pretendidos no alvo.


A arma colocada na mão do investidor institucional são os algoritmos: fórmulas matemáticas fundamentadas na análise quantitativa de execuções de compra e venda de ativos financeiros, dia a dia, fração de segundo a fração de segundo, com base no histórico de anos anteriores. É possível esquadrinhar cada ação negociada na Bolsa de São Paulo, ordem por ordem, nos quatro anos anteriores – embora a preferência seja pela análise dos dois últimos anos.

A partir desse imenso banco de dados, o investidor determina com precisão eletrônica a execução de suas ordens de compra ou venda, conforme as suas premissas sobre a evolução dos preços e seus objetivos de investimento. E podem acompanhar em tempo real tanto a execução das ordens como o registro das operações.

“Cada algoritmo carrega, implícito em sua programação, um nível de agressividade que determinará o momento de ir ao mercado. O risco é calibrado conforme o perfil do cliente. Quando as premissas são atingidas, uma ordem eletrônica é disparada automaticamente”, diz o chefe da mesa de operações eletrônicas da Ágora Corretora, Francisco Valente. “Os algoritmos contribuem para reduzir os custos de transação. O grande ganho para o investidor é melhorar a eficiência na execução da ordem de compra ou venda”, acrescenta Valente.

As corretoras que dispõem dessas ferramentas, por sua vez, lucram com a satisfação de clientes que giram aceleradamente milhões de reais: a taxa de corretagem é a mesma, e o ganho da corretora decorre do volume transacionado. “Nos Estados Unidos, o modelo eletrônico já começa a interferir na forma de remuneração das corretoras. A tendência é de que se migre para um padrão de performance baseado na precisão da execução das ordens”, diz Roberto Lee, diretor da Alpes Corretora, outra empresa que aderiu à onda dos algoritmos. “É um instrumento que fortalece a posição das corretoras que o adotam, especialmente se levarmos em conta o processo de abertura do mercado brasileiro a corretoras estrangeiras”, observa Lee.


“Os algoritmos passam a fazer sentido quando o mercado começa a se tornar 100% eletrônico”, acrescenta Mendonça de Barros, observando que, após a Bovespa ter se adequado anos atrás a este requisito, a Bolsa de Mercadorias & Futuros, embora ainda mantenha um pregão viva-voz, tende também a migrar integralmente para a operação eletrônica – hoje, 90% das transações na BM&F já são online.

No Brasil, a Link é uma das poucas corretoras que oferecem a plataforma também a investidores pessoa física. “A análise é feita caso a caso. O uso faz sentido para investidores que realmente realizem muitas operações durante o pregão”, explica Mônica Saccarelli, diretora do Link Trade, home broker da corretora.

Normalmente, os modelos quantitativos usados no Brasil são adaptações locais de ferramentas desenvolvidas nos Estados Unidos ou na Inglaterra. As operações mais demandadas pelos investidores são as VWAP (Volume Weighted Average Price) e TWAP (Time Weighted Average Price). A primeira tem por objetivo estabelecer uma convergência entre o preço médio executado pelo operador no pregão e o preço médio do ativo no período. A segunda realiza uma distribuição linear das execuções de ordens ao longo do dia. “A cada hora o investidor pode desejar fazer o equivalente a um terço do mercado“, exemplifica Barros.

Há ainda o chamado Volume Participation (Participação em Volume), na qual “a execução de uma ordem ao longo do dia equivale a um percentual do volume já executado pelo mercado”, explica Valente, da Ágora. Arbitragens muito velozes, por exemplo, entre ações da Petrobras na BM&FBovespa e suas ADRs na Bolsa de Nova York são outra possibilidade, assim como operações de “cash and carry”, em que se contrapõe a compra ou venda do Ibovespa futuro à compra ou venda de todas as ações da carteira do índice no mercado à vista, buscando distorções e visando a um ganho acima do CDI em determinado período de tempo.


Um participante do mercado, que queira vender ou comprar um grande volume da mesma ação ao longo do pregão, conta também com o recurso conhecido como “iceberg” ou “ordem escondida”. “Ele pode comprar 1 milhão de ações da Petrobras na sessão e decidir que essa compra deve ser feita discretamente, mil por mil, de 15 em 15 segundos. E combinar isso com a busca de um preço médio, entre o mínimo e o máximo do dia”, diz Luiz Cláudio Menezes, diretor-geral da Progress Software, que comercializa a plataforma Apama. “Em arbitragens de altíssima freqüência, as margens são muito pequenas, então o ganho decorre da escala em que se opera e da eficácia na colocação das ordens”, acrescenta Menezes.

Segundo ele, a Apama permite executar até 5 mil ordens por segundo. Mas o potencial ainda seria limitado pela infraestrutura da Bolsa e das corretoras brasileiras. As corretoras costumam ter capacidade para executar até mil ordens por segundo – consta que uma grande corretora teria capacidade para 30 mil por segundo. A capacidade da Bovespa, hoje, é de 770 mil negócios por dia e deve chegar a 1,5 milhão/dia em maio com a implantação de uma nova versão do sistema MegaBolsa, chamada V900. Na BM&F, a capacidade é de 200 mil negócios diários. A BM&FBovespa prefere não fazer o cálculo médio distribuído por segundos, em razão da assimetria na distribuição de ordens ao longo do dia.

O discurso da automação é sedutor, mas é importante não perder de vista que o fator humano (o gestor) permanece por trás da decisão sobre comprar ou vender. “É o elemento humano que analisa a informação disponível e estabelece as premissas que serão executadas eletronicamente”, observa Valente, da Ágora, o que envolve, na corretora, um trabalho interdisciplinar de matemáticos, programadores e gestores financeiros.

“É como um piloto de avião: a máquina executa, mas há sempre o monitoramento humano. Há uma rota programada, mas é possível interromper a sua execução a qualquer momento”, acrescenta Mendonça de Barros, da Link. “Essas ferramentas ajudam naquilo que é difícil de ser feito na mão, em operações de alta freqüência em que se tenha de olhar para muitos fatores, como em books de arbitragem ou volatilidade”, acrescenta um operador da Finabank, outra corretora que aderiu aos algoritmos eletrônicos.